Dalila
Não tenho mais esperanças, sonhos. Desejo acreditar que existam, mas acho difícil. Vou contar a minha história: vivia com meu pai e minha, mãe numa cidade do estado do Rio de janeiro. Minha comunidade era muito pobre. A pobreza estava enraizada em "Nós", já não me incomodava, fazia parte! Mas, a bebida, as dores, isso eu dispensaria se pudesse.
Porém, aí vai a minha história.
Meu pai chegava toda a noite e gritava por mim.
– Dalila, onde está você?
Eu estremecia. – Vai começar!
– O que é pai?
– Já viu a minha roupa? Quero tomar banho. E a comida?
É claro que já tinha preparado tudo, eu sabia o que acontecia todas às vezes que me esquecia. Parecia que ele adorava, pois tinha chance de rala a mão em mim. Não que já não fizesse isso sem motivo, imagina com.
– Sim, pai já preparei!
– Sua mãe já chegou?
– Ainda não. – falei preocupada, por que minha sempre chegava tarde e me deixava passar por isso?
Ele veio na minha direção, alisou meu braço, estremeci, dei um passo para trás, tinha que entretê-lo. Pensei rápido.
– Pai! O vizinho perguntou se o senhor vai no Bar do Zé hoje?
– Vou sim, daqui a pouco, mas você não vai sair de casa, já sabe.
Respirei aliviada, ele não ia ficar tempo suficiente para me bulir. Quando chegasse, já estaria bêbado o bastante para dormir direto, e minha mãe já estaria em casa, esperava.
Aprendi, com a experiência, enrolá-lo. Ele saiu, eu fiquei à vontade. Procurei logo minha amiga para um bate papo no portão e fui ver ser Xandinho ia aparecer para trocamos um selinho. Sabe como é, não sou de ferro, também me divirto, quando posso.
Mas parecia que aquele dia não era o meu dia de sorte. Meu pai voltou cedo, já tinha bebido umas e outras, e ao me ver com Xandinho no portão, ficou furioso, mandou-me entrar rápido, deu um porrada em Xandinho que ralou fora do lugar.
Dentro de casa, procurei me esconder no meu quarto, mas ele não desistiu. Veio com o cinto grosso que usava, como dizia, para me educar; mandou-me tirar a roupa, eu disse que não.
– Então vai apanhar dobrado!!!
Com muito medo, tirei a blusa de costa pra ele. Senti-o se aproximar, largou o cinto e tocou-me, murmurava palavras que não entendia, só sinto ainda o cheiro de cachaça embrulhando o meu estomago, estava aterrorizada, sem saída, sem esperança...
Não ouvi a porta abrir, não ouvi nada além da minha respiração, do meu enjôo...
De repente um grito:
– Sua safada, puta, cachorra...
Minha mãe nos pegou juntos, não entendeu, avançou sobre mim.
Naquela noite foi o fim. Apanhei tanto que os vizinhos chamaram a polícia.
Como disse foi o fim.
Hoje estou num lar, para crianças. Ouço falar de sonhos, sobre o amor, outra vida. Pediram-me para cantar algo para outras crianças. Cantei algo que fala sobre sonhos e esperanças, da necessidade de sorrir e de seguir em frente.
Cheguei há quatro dias neste lar para crianças... Sabe com é... que sofrem.
Encontrei tantas outras meninas que, assim como eu, perderam a esperança; me senti importante, vendo que, através da minha música, posso alegrar, trazendo aos corações feridos um raio de esperança. O meu ainda está preso naquela bendita noite...
Por Célia M. Souza