Caminhos Cruzados, de Érico Veríssimo é uma obra que me surpreendeu. A história não tem personagens centrais, não tem heróis nem mocinhas. É uma teia de histórias que se entrelaçam de uma maneira tão real, tão possível que até assusta.
Fica ao critério de leitor decidir qual história é central, se é a de Fernanda ou Chinita quem sabe, ou mesmo a de Janjoca, ou talvez de Cacilda? Acredito eu, que todos sejam os personagens principais. Certo apenas é que nos enveredamos por dramas reais e imaginários, vidas sofridas e vidas felizes.
Cada personagem se apresenta de maneira única, cada um deles é um universo dentro da tecitura criada pelo autor, mas todos eles se encontram interligados por estes caminhos cruzados.
As personagens são uma perfeita caricatura da sociedade Porto Alegrense ainda na época dos casarões do Moinhos de Vento, é fácil nos ansiarmos diante da demagogia hipócrita de Leitão Leiria e sua fervorosa esposa dona Dodô, sempre posando de bons cristãos, mas apenas dois espíritos? revestidos pelo simulacro da caridade e da benevolência. Ou então nos compadecermos da situação de João Benévolo, amante dos livros, desempregado, sem perspectivas e com mulher e filho.
Quem sabe a identificação venha com Fernanda, guria boa, pobre, que trabalha de sol a sol, cuida da mãe, do irmão e sonha com Noel, este moço que vive no mundo da fantasia, recebendo mesada do pai, ignorado pela mãe.
A miríade de personagens torna fácil se perder no meio de tantas nuances, de tão diversas personalidades e é isto que dá graça e corpo a esta história que não é só uma, mas múltiplas histórias de caminhos cruzados.
Caminhos Cruzados é uma obra que envolve a desigualdade social, onde algumas pessoas possuem muitas posses e outros morrem de fome, onde por trás do qualificativo "caridade", os ricos cometem muitas injustiças, quando se faz o bem para ser reconhecido pela mídia, para agradar a igreja, tendo por fim outros interesses econômicos; assim fazem mais mal aos outros, disfarçadamente, não tomando consciência de suas existências miseráveis.
A história do pobre que ao receber o dinheiro, esbanja-o em luxúrias para entrar no mundo dos ricos, não se importando com isso se sua família estaria caindo em perdição.
A pobreza do desempregado que ouve os lamentos da mulher e do filho doente e mesmo assim vive a sonhar, a desgraça da doença que atinge outro núcleo familiar. Dentre os personagens existe o professor que se preocupa com suas teorias, tem o Honorato, gordo e rico comerciante e Virgínia, sua mulher que não aceita a vida que leva, só pensa em aventuras. Noel é filho de Honorato e Virgínia que foi criado em um mundo de sonhos, apaixonado por Fernanda sua amiga, desde os primórdios de sua infância.
Também existe o leitão, o ricaço que prejudica uns para favorecer àqueles a quem tem recomendação; sua esposa alivia sua consciência dando esmolas e ajudando orfanatos. Sua filha tem certa inclinação amorosa pela amiga. Armênio, o estúpido cronista, vive rastejando atrás de mulheres maduras e só leva foras. Zé Maria é o caipira que ganhou na loteria e vive no desperdício de seu ganho, sua filha Chinita é amante de Salu, um play-boy. Maria Luísa, mãe de Chinita, vive desolada com as esnobações do marido.
João Benívolo e Laurentina vivem na miséria, ela sem emprego e ela a chorar desoladamente, assim se fazem os caminhos cruzados.
Todas as personagens do romance "Caminhos Cruzados" cultivam, tímida ou abertamente, um sonho, um devaneio. No entanto, esse sonho sempre é massacrado impiedosamente pelas torpezas do mundo real: pelas mazelas humanas, pelas dificuldades financeiras, pelas mesquinharias cotidianas. E essa é a grande poesia do livro - a grande mensagem, a grande filosofia. Os nossos sonhos, por mais belos que sejam, não suportam a realidade contundente da sociedade que exige o máximo de nós.
Realidade. Essa é a filosofia do livro que li. Me apaixonei intensamente por cada personagem, e compreendi que nem sempre uma história necessita de um final feliz.
"A vida, prezado leitor, é uma sucessão de acontecimentos monótonos, repetidos e sem imprevisto. Por isto alguns homens de imaginação foram obrigados a inventar o romance."
(Professor Clarimundo)
- Biografia de Érico Veríssimo
Érico nasceu em Cruz Alta, região serrana do Rio Grande do Sul. Estudou em Porto Alegre. Pretendia estudar no exterior, mas os problemas econômicos da família o impediram. De volta a Cruz Alta tornou-se sócio-proprietário de uma farmácia, que mais tarde faliu. Por volta de 1930, retornou a Porto Alegre e foi trabalhar na Editora Globo, onde secretariou uma revista, traduziu e editou livros importantes da literatura univeral. Em 1932, estreou com um volume de contos. Fantoches, e com o tremendo marco editorial de Olhai os Lírios do Campo tornou-se paulatinamente um escritor profissional, vivendo dos seus direitos autorais. Durante três décadas foi, juntamente com Jorge Amado, o escritor mais popular do Brasil. Na década de 40, lecionou literatura brasileira nos Estados Unidos e, nos anos 50, trabalhou em um dos departamentos da Organização dos Estados Americanos. A primeira fase da obra de Veríssimo é composta por romances ambientados em Porto Alegre ou em pequenas cidades do interior do Estado.
Sua obra mais importante é O Tempo e o Vento, de onde foi extraído o texto que estudamos neste capítulo. Nela, o escritor conta a história do Rio Grande do Sul, através das várias gerações da família Terra Cambará, que participa de todos os acontecimentos históricos do Estado sulino.
Depois de concluir O Tempo e o Vento, Veríssimo continuou sua produção literária com o Senhor Embaixador, no qual, cria um país imaginário, chamado Sacramento. Nessa obra aborda os problemas da América Latina. Em seguida, escreveu O Prisioneiro, que trata da Guerra do Vietnam e é ambientado no sudoeste asiático. Sua última obra de ficção é Incidente em Antares, na qual realizou interessantes experiências com o realismo fantástico.
- Obras:
• Romance: Clarissa (1933); Música ao Longe (1935); Caminhos Cruzados (1935); Um Lugar ao Sol (1936); Olhai os Lírios do Campo (1938); Saga (1940); O Resto é Silêncio (1943); O Tempo e o Vento: O Continente (1949); O Tempo e o Vento: O Retrato (1951); O Tempo e o Vento: O Arquipélago (1961); O Senhor Embaixador (1965); O Prisioneiro (1967); Incidente em Antares (1971).
• Contos: Fantoches (1932); As Mãos de Meu Filho (1942).
• Novela: Noite (1954).
• Memórias: Solo de Clarineta, volume I (1973); Solo de Clarineta, volume 11 (1976).
Marselle Veiga, n°21 - 3° ano, turma 3006